Branco
Branco. Totalmente branco. Piscava os olhos. O branco na escuridão. Ao vasculhar o fundo do armário, o mal estar- o vestido de casamento sempre igual, como iguais eram os dias na pousada. Muitas peças do enxoval, predominantemente brancas, ainda permaneciam novas,pelo uso da pedra de anil ou do papel de seda azul.Marta não gostava de tirar aquelas coisas do lugar, mas não tinha outra escolha. O hábil manejo do tear, das tramas com a lã. O elogio das mais velhas. Esta era sua roda viva agora. Mas, na roda viva das lembranças, todas as cores, ao som de cirandas nas trilhas cristalinas das fontes. Marta suspirava ao lembrar dos anéis e do que deixara para trás. Queria que o tempo passasse. Casou jovem, de branco. E como as primas, tias e todas as mulheres da família também aprenderam as lidas da casa.
Mas o cansaço enrijecia-lhe os dedos, negando o prazer do toque. E guardava em si uma dor silenciosa. Marta examinava o rosto, o corpo, as mãos ásperas. Depois, voltava a remexer nos guardados, sentindo a textura do lençol de linho. Com os olhos fechados e respiração ofegante, repetia para si mesma: branco no azul. Branco no azul.As cores preferidas.Os tons suaves dos objetos dispostos nas gavetas.A saudade repousando na melancolia da ausência. O calor igual ao do verão.O corpo úmido.Marta estendeu-se sobre a cama, como uma oferenda, acalmando o tremor do corpo.Havia dentro dela, uma esquecida coragem que sempre voltava a desfazer-se da força. Marta tinha o coração indeciso. E precisava distrair-se da dúvida.Colocava-se,então à frente do espelho para conversar consigo mesma. Depois, trocou de vestido, agitando-se diante da outra Marta.”Que me deixem em paz estes pensamentos!”
Recuperou a vontade de avançar na direção do imenso mundo que poderia conhecer.Olhou para o relógio e apressou-se. No rosto o desejo de sorrir.Ajeitou os cabelos, alisou o tecido do vestido. Seu olhar seguiu reto. Sentia-se a ponto de gritar e correr.Lá fora –num súbito alvoroçar do vento- o tempo embalava-se nos lençóis brancos,que acenavam para o azul do céu (aos poucos tumultuado por nuvens escuras).Por uma janela aberta as cortinas arrebatavam sua pequena fuga. A voz de dentro dela veio vindo,sustentada por uma alegria indefinida. E lembrou de não guardar o que queria esquecer.Tinha o coração acelerado e os olhos despertos. Os braços pareciam maiores. O corpo largo.Percebia-se não cabendo mais em si. E,com pernas de criança brincou entre os lençóis encharcados.Sua aflição despediu-se apressada.
Olhou para o alto, recebendo no rosto a chuva fria e clara- nem azul,nem branca. E imaginou,então,com que cor pintaria a vida.
Helô Bacichette
Uma luz clareou e...
ResponderExcluir- Marta poderia pintar na vida um arco-iris. Pois descobrira que nesta chuva o sol ainda brilha.....
Uma ousadia de leitora continuar o conto entrando na história...
Lindo teu blog e parabéns pelo sucesso. Beijos da fã e colega Sheila M. S. Teixeira.